Memórias Pré Postumas de um Canivete Suiço – Capítulo IV – Gracias a la vida

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  • Última modificação do post:20 de janeiro de 2024

Esclarecimentos preliminares aos meus quatro bilhões oitocentos e dezenove e meio leitores do planeta Marte, uma vez que, aqui na Terrinha Não Plana, não devem passar de meia dúzia de três ou quatro onde você, que é um deles, lê no momento estas bem traçadas linhas graças ao Word.

Ah! Já estava a me esquecer dos “esclarecimentos preliminares” pois, ontem dezenove de janeiro de 2024, este que vos escreve, completou 79 verões resolveu marcar a memorável data com mais este capitulo das suas, digo, minhas memórias pré póstumas (antes que se tornem vagas lembranças).

E agora, chega de lero-lero, e passemos ao capítulo IV.

Capítulo IV

Gracias a la vida

Terminei a 1ª série do ginasial em 1º lugar com média 8,04 dentre 49 condiscípulos. Seria eu muito bom ou meus colegas de turma, pomposamente denominados no boletim escolar como condiscípulos, muito ruins?

Nem uma coisa nem outra, pois a proeza não se repetiria indefinidamente. Teve até um frustrante 17º lugar na 4ª série ginasial em 1960, mas por um bom motivo sobre o qual falarei em outro capítulo.

A vida é uma montanha russa, num momento estamos no alto outro embaixo. O importante é tentar manter a média com a cabeça sempre acima do nível do mar para não morrer afogado.

Enfim, chegávamos em dezembro de 1957, um ano dourado para mim e certamente para meus pais com aquele resultado e ainda mais com a perspectiva de um desconto na mensalidade do próximo ano.

Fico a pensar agora, enquanto escrevo estas memórias, se aquele 1º lugar também não teria contribuído para a ajudinha do Seu Menezes da qual falei no capítulo anterior. Não sei, nem nunca saberei. O importante é que ganhei o desconto.

Preciso esclarecer que aquele 1º lugar não significa que eu fosse um nerd e passasse o dia inteiro estudando. Eu tinha vida fora da escola e dos livros e já começava a desenvolver minhas atividades de empreendedor.

E um garoto, como eu, que não amava os Beatles nem os Rolling Stones, pois afinal sequer existiam no auge dos meus doze anos, começava a dar os primeiros passos nos experimentos com Eletricidade, agora não mais fazendo instalações de lâmpadas queimadas amarradas com barbantes nas suas brincadeiras de criança das quais falei no Capítulo I.

Embora a principal atividade da loja do meu avô, a Casa Luz, fosse essencialmente a vidraçaria, era também uma papelaria, loja de ferragens, brinquedos, louças e de material elétrico. Um bazar, loja que vende de tudo (ou quase). Hoje chamam de “loja de departamentos”.

E por causa do material elétrico, as pessoas iam até lá também para consertar a tomada dos ferros elétricos de passar roupa e até mesmo os ferros.

Comecei a me interessar, lá pelos 12 ou 13 anos, por estes reparos e aprender a realizá-los com o auxílio do meu tio Sebastião e alguns curiosos que apreciam lá pela loja.

Os objetos não eram descartáveis e compensava consertá-los pois, sempre saia mais barato que comprar um novo.

Não se cobrava pela mão de obra para efetuar o reparo, o freguês (ainda não eram clientes) pagava o material comprado na loja e saia feliz da vida com seu ferro de passar funcionando novamente e com o dinheirinho economizado.

Consertava-se tudo: tomadas, fios, resistências e, às vezes, até a troca do cabo de madeira.

A troca da resistência exigia um certo cuidado para que o ferro não ficasse dando choque em que o utilizasse.

O método para saber se estava dando ou não choque era, no mínimo, bizarro.

Encostava-se a ponta dos dedos na carcaça do ferro e se não desse choque o serviço estava aprovado!

Mais tarde descobri, finalmente, um “método científico” para saber se estava ou não dando, mas isso só depois do dia em que quase coloquei fogo na loja do meu avô.

Esta é uma das minhas proezas que vale a pena ser contada.

Alguns ferros chegavam completamente destruídos pela ferrugem e sem condições de serem reparados. Ficavam abandonados por lá, à espera de que algumas de suas partes pudessem ser aproveitadas algum dia, quem sabe.

Creio que foi aí que comecei a desenvolver minha aptidão para sucateiro profissional ou acumulador compulsivo.

Um belo dia, ou talvez não tão belo assim como veremos, resolvi pegar um deles e tentar recuperá-lo.

A parte traseira do pobrezinho onde ficavam os pinos para encaixar a tomada estava totalmente destruída, ou melhor, não existia mais.

Pensei cá com “os meus botões” (ainda se diz isso?) que se eu conseguisse fazer uma “lanternagem” naquela região destruída colocando uma pequena placa metálica poderia trazê-lo de volta ao mundo dos ferros “vivos” de passar roupas.

Elaborado mentalmente o projeto, faltava só conseguir o material e executá-lo.

Ficou muito bom, exceto na hora que liguei na tomada. Foi aí que o dia, aliás a noite, pois já escurecia, deixou de ser belo.

Foi faísca para todo lado e a luz da casa toda apagou.

Foi um Deus nos acuda! Meu tio Sebastião correu para trocar o fusível e nada da luz voltar. A coisa foi feia, tiveram que chamar a Light. Os rapazes da Light não queriam consertar de jeito nenhum. Não sei como, meu tio conseguiu “convencê-los”, talvez a com boa e conhecida cerveja gelada que se usa nestas horas.

Fiquei proibido terminantemente de me aproximar das todas as tomadas da casa.

E se o leitor acha que eu desisti do projeto, enganou-se completamente. Apenas dei um tempo, enquanto pesquisava “onde foi que eu errei”.

Pergunta daqui pergunta dali aos eletro-curiosos da vizinhança até que alguém me deu uma explicação convincente.

Quando a gente sabe o que está fazendo tudo muda de figura.

Revisei o projeto, corrigi o erro, mas ainda faltava coragem para voltar a ligar o “bichinho” na tomada.

Mas o bicho-carpinteiro, como se dizia das crianças irrequietas, não parava de me comichar.

Até que num momento que não tinha ninguém por perto resolvi arriscar.  Bingo! Funcionou!

Devo ter dado pulos de alegria e quando mostrei ao meu pai que o ferro estava funcionando e enquanto ele provavelmente dizia – eu já não te disse… – o ferro aquecia e a temperatura subia, a do meu pai ia esfriando.

Certamente o episódio dever terminado com – este garoto não tem jeito mesmo!

E ainda bem que eu não “tinha jeito” e continuo a não ter até hoje, porém com uma lição aprendida – não tente fazer nada sem antes saber o que vai fazer ou como diz o ditado, “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.

Deste dia em diante a restrição de não se aproximar das tomadas da casa foi tacitamente revogada.

No final daquele ano o episódio já havia sido esquecido até, talvez, por eu ter passado de ano em primeiro lugar na escola.

Mereci até um presentão de Natal naquele ano, uma caixa cheia de ferramentas de marceneiro de verdade para eu parar de usar as do meu tio que vivia reclamando que eu iria acabar estragando-as.

Um pacotão com serrotes, martelos, plaina, formões e sei lá mais o que, tudo da melhor qualidade. Algumas delas ainda tenho até hoje.

Já que mencionei o Natal vale a pena contar um fato interessante.

A loja do meu avô era bem sortida e nos dias 23 e 24 ficava muito movimentada, e aberta até tarde com as pessoas procurando presentes que podiam ir de um pinguim de geladeira para a vizinha a uma boneca grandona para uma neta.

Pelo que me lembro somente meu pai, meu tio Sebastião e meu avô ficavam atendendo e não tinham tempo para fazer os embrulhos de presente.

Creio que foi aí que tive a ideia do meu primeiro empreendimento, montar uma banca para fazer estes embrulhos de presente e, obviamente, colocar em local bem visível aquela conhecida caixinha-cofre embrulhada em um lindo papel com motivos natalinos e a “bem-intencionada” mensagem – Feliz Natal.

Eu tinha aprendido a fazer embrulhos bem incrementados, creio que por observação, com direito até a laços de fita o que rendia boas gorjetas na caixinha de Boas Festas.

A loja fechava lá pelas 22 horas e recolhíamo-nos cada um às suas casas.

Eu, meu pai e minha mãe morávamos nos fundos da loja e meu avô em outra casa bem próximo sobre a qual já falei em outro capítulo.

Não tínhamos hábito de ceia em família.

Minha mãe fazia bolinhos de bacalhau deliciosos e rabanadas mais deliciosas ainda. Nunca mais comi nada igual.

O dia seguinte, 25 de dezembro, partíamos para o almoço de Natal na casa da minha tia Conceição que morava na Penha.

Volitávamos de ônibus pela “variante”, que muitos anos mais tarde passou a chamar-se Avenida Brasil, sem medo de assaltos e balas perdidas.

Se bem me lembro, descíamos perto do “Tabuleiro da Baiana”, hoje chamado de Largo da Carioca, onde pegávamos o bonde Águas Férreas para chegar em casa na rua das Laranjeiras (onde nunca vi um pé de laranja).

O ano de 1957 já ia se preparando para encerrar e eu também faço o mesmo com este capítulo dando “Gracias a la Vida por me ha dado tanto”.

Este post tem 4 comentários

  1. Alexandre Morgado

    Na expectativa dos próximos capítulos

    1. Paulo Brites

      Que bom. Está no forno (literalmente).
      Como diz a música de Roberto e Erasmo – preciso acabar logo com isto …

    1. Paulo Brites

      Grande Cesar, valeu.
      A ideia é ir contextualizando o Rio “antigo” com minhas peripécias pela vida.
      Meu passatempo predileto.

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