Como adquiri o “vício” pela leitura

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  • Última modificação do post:25 de janeiro de 2021

Eu, diferentemente do que aconteceu com meus filhos, não cresci numa “ilha cercada de livros por todos os lados”.

Pensando bem, talvez possa até dizer que, se não se não creci numa “ilha”, talvez houvesse uma “restinga”, o que pode ter ajudado e já, já irei tentar explicar a influência que este “acidente geográfico”, a restinga, pode ter tido neste meu “vício” pela leitura, se transformado em “virtude”, e que, provavelmente, “transferi” aos meus filhos.

Afinal, diz o ditado, “quem herda não furta”.

Eu e meus pais, morávamos nos fundos da loja do meu avô, em Laranjeiras no Rio de Janeiro que, naquela época, ainda era uma “Cidade Maravilhosa”.  A Casa Luz ou a loja do Seu Zé da Luz.

A loja era uma vidraçaria junto com uma espécie de bazar que só não vendia “secos e molhados”.

Lembro do ambiente, como se estivesse lá agora, enquanto escrevo estas “abobrinhas”.

Entretanto, para que a “plantação de abóboras” não tome toda a tela onde ora você está a ler, vou me restringir, em parte, a falar da “restinga de livros”.

Havia numa imensa vitrine da loja, um cantinho (a restinga) com alguns livros para estudantes do que, hoje, chamam Ensino Médio. Na época eu não tinha essa consciência e estou especulando que deveria ser isso.

Creio, que lá pelos meus 10 ou 11 anos, quando eu já sabia que um monte de letras juntas produzia palavras ou, tecnicamente falando, estava a começar a ler, um belo dia (ou noite) resolvi explorar aquela “restinga” onde, em vez de garrafas plásticas, que, felizmente, ainda não existiam, “pousavam” alguns livros grossos e de capa dura.

Meu primeiro contato com a sociologia

Se você está a pensar que eu saí da restinga e cai no mar, acalme-se.

Como eu morava/vivia num ambiente comercial, uma das palavras que eu mais costumava ouvir era, “sócio”.

Eu não entendia o que significava a palavra “sócio” e acho que se perguntei aos adultos a minha volta, ou não me explicaram ou fiquei a “ver navios”, já que estava na restinga, em vez de “sócios”.

Foi quando, com os meus conhecimentos de “leitura” começando a se consolidarem, de repente, ao explorar a “restinga de livros”, vitrine da loja do meu avô, encontrei um livro grossão com letras miudinhas, cujo título na capa era Introdução a Sociologia, Manual de Sociologia ou algo similar. 

Não sei por que cargas d’agua (acho que não se usa mais esta expressão) “associe” (sem trocadilho), sócio com sociologia.

Opa! Talvez aquele “manual de sociologia” me explicasse o que significava a palavra “sócio”, que tanto ouvia e não entendia o que era.

Imaginação fértil ou já estava eu a começar me interessar por leituras e a fazer meu estudo preliminar de etimologia?

Folhei o livro, mas ao que “vagamente” lembro, logo abandonei a “pesquisa” pois, ele, num estilo Chacrinha, parece que não ‘teria vindo para me esclarecer e sim, para me confundir”.

Feita esta pequena longa digressão do tema inicial, voltemos às “ilhas cercadas de livros” onde meus filhos cresceram, cada um em épocas diferentes.

Quando minha filha, hoje com 46 anos, estava beirando os 4 ou 5 cinco eu tive a ideia de construir uma “restinga de livros” para ela, diferente na forma, da vitrine da loja do meu avô, mas igual no objetivo.

Coloquei alguns livros e revistinhas infantis na parte de baixo de uma pequena estante que havia no quarto, para que ela, mesmo ainda não iniciada” no mundo das letras e palavras, pudesse ter os primeiros contatos imediatos com estas maravilhas chamadas livros que se tornaram populares graças ao invento de Gutemberg.

Mais tarde, ela, já com os seus conhecimentos de “leitura” bem consolidados, iria se tornar também uma “viciada”, embora “moderada”, e pedir “auxílio” aos livros para ajudá-la a descobrir o mundo.

O tempo avançou, mudanças na vida e de casa vieram e veio também o segundo filho, hoje com 24 anos.

Quando ele já começava a explorar a “terra firme”, engatinhando pela casa, na preparação para se tornar um “pithecanthropus erectus”, a paisagem que via ao seu redor tinha, entre outras coisas, eram muitas “árvores”, transformadas em livros pela tecnologia que fez celulose virar papel, sem que não deixemos de o merecido tributo a Guttemberg.

Moral da história, o “vício” pela leitura o atacou muito mais fortemente que a ela e a mim.

Teria sido uma transmissão por DNA ou o ambiente deu uma ajudinha?

Não vem ao caso falar sobre isso, nesta abobrinha que ora lhe ofereço como uma refeição saudável, não para o seu estomago, mas para o seu espírito.

Desculpe meu desvio de rota, mas julguei plausível fazê-lo.

Agora sim, vou explicar como adquiri o “vício” pela leitura”.

Tudo começou ou, melhor dizendo, começou a começar,  numa manhã de 1959 ou 1960, quando eu cursava a 3ª ou 4ª série do Curso Ginasial no Educandário Ruy Barbosa.

Ao terminar uma aula de português, sai correndo da sala para alcançar, no pátio, o professor Octavio Teixeira de Brito.

Fazia tempo que uma coisa me “atormentava”.

Embora eu fosse um aluno razoável e entendesse a gramática da “língua culta”, creio que, não apenas eu, mas todos, tínhamos dificuldade em fazer aquelas clássicas e repetitivas redações sempre com o mesmo título: – Minhas Férias.

Naquela manhã, tomei coragem e enquanto o Prof. Octávio, sempre com seu terno e gravata, ambos pretos, se encaminhava para a cantina do colégio e tomar o cafezinho junto com “seus pares” (na época dizia-se colegas), fiz a pergunta que “não queria calar”: – Professor, o que devo fazer para melhorar minhas redações?

A resposta foi curta, mas suficientemente para inocular o “anticorpo” que me transformaria, bem mais tarde, não num aprendiz de feiticeiro, mas em aprendiz de escritor: – Você precisa ler bons livros, menino!

Antes que ele conseguisse se desvencilhar daquele aluno que pretendia receber uma aula fora da sala de aula, engatei a segunda pergunta: – Quais?

A resposta, novamente, foi curta, mas o bastante para mim: – Comece com Machado de Assis.

Gostaria que aquele professor, de terno e gravata, sempre pretos, estivesse vivo hoje para ler estas linhas e quem sabe poder abraçá-lo (depois da vacina) e dizer um simples, mas enorme, MUITO OBRIGADO, PROFESSOR!

Sai dali e não sosseguei enquanto não encontrei o “Machado” que iria “abrir” a minha cabeça para sempre e, por tabela, a dos meus filhos.

Na época havia uma Biblioteca Pública ao lado da Faculdade Santa Úrsula na rua Pinheiro Machado.

Ficava relativamente perto de onde eu morava e eu era “sócio” dela e foi lá que me encontrei com o “Assis”.

Não lembro bem se o “primeiro” encontro foi intermediado por Dom Casmurro ou Quincas Borba.

Seja lá quem tenha sido o primeiro, o Casmurro ou o Quincas, o fato é que um me “apresentou” ao outro e depois, outros “machados” vieram. Muitos deles, tão afiados que deixaram “cortes” profundos na minha cabeça que se abriu e nunca mais se fechou.

Obrigado Professor Octávio Teixeira de Brito, por ter apresentado Machado de Assis àquele garoto de 14 ou 15 anos que, na época, não amava os Beatles e os Rolling Stones, porque eles ainda não “existiam”.

Antes de encerrar esta abobrinha – dois acertos e um “erro” que cometi

Comecemos com os acertos e deixemos a parte “ruim” para o final.

Quando meu filho já começava a ler, “razoavelmente” bem, creio que pelos seus 7 anos de idade, uma de suas leituras favoritas eram as revistinhas da Mônica & Cia.

Umas ele lia na casa dos primos e outras eu comprava nas bancas.

Um dia, resolvi fazer uma assinatura das revistinhas para ele.

Saia mais barato e evitava que eu estivesse sempre a procurá-las nas bancas.

Este foi o primeiro acerto (involuntário).

Você, certamente, fica muito feliz ao receber pelo correio algo que comprou.

Agora, imagine a alegria de uma criança ao receber a “sua revistinha predileta” na sua casa e com o seu nome na etiqueta do pacote.

Isso não tem preço!

Depois de algum tempo ele já tinha o timing certo da chegada do pacote e ao voltar para casa, no final da tarde vindo da escola, já ia perguntando, afobadamente, ao nosso porteiro (que já está morando no “andar de cima”): – Severino, não chegou nada para mim?

O amável Severino, respondia com um leve sorriso, ainda não, assim chegar te entrego.

E, de repente, alguns dias depois, estava lá Severino com o pacotinho na mão para entregar, mesmo antes que ele perguntasse.

E lá ia ele correndo para casa, feliz da vida, para abrir o pacote e começar a “explorar” aquele mundo mágico.

O segundo acerto que cometi, neste contexto, ainda que de forma involuntária, foi quando ele iria fazer 8 anos.

Na época ele cursava o 2º ano do Ensino Fundamental e me pediu de presente de aniversário  um livro do Harry Potter que acabara de ser lançado.

Num primeiro momento relutei um pouco e argumentei que era um livro “muito grande” e ele não iria conseguir ler.

Ele (como sempre) contra argumentou (hoje é mestrando de filosofia) e eu acabei comprando.

Sempre achei que um presente só terá valor se, quem ganha recebe o que queria ganhar.

Minha “profecia” se realizou.

Ele não conseguiu avançar na leitura e deixou o livro de lado.

Parafraseando um verso de uma canção de Chico “não se afobe não que nada e pra já, a leitura pode esperar”.

Dois anos mais tarde, ele concluiria a leitura das 702 páginas de Harry Poter e a Ordem da Fênix.

Ao escrever esta “abobrinha” pedi-lhe me relembrasse o que acontecera. Aquele era o quinto livro da série e como ele não havia lido os anteriores não estava entendendo nada.

Não dá muito certo começar alguma coisa pelo fim.

Ele me “confessou” que pedira para comprar porque Harry Poter era a “onda” que rolava entre os amiguinhos.

Quando já estava no primeiro ano Ensino Médio, ele leu todos os 7 livros da série, durante as férias escolares, em apenas um mês.

Tudo tem seu tempo. Se colhemos uma fruta antes de ficar madura ela estará azeda.

Fracassei como “profeta”?

Creio que sim.  Ainda bem!

Finamente, o “erro”.

Quando ele já estava lá pelos 13 ou 14 anos eu quis que ele lesse

Machado de Assis, tentando repetir a “minha história”.

A primeira parte do “erro” é que eu tinha uma motivação que ele não tinha.

A segunda parte é que lhe dei uma edição de bolso com letra miudinha que desencoraja qualquer um a ler, principalmente, uma criança e mais ainda, se não estiver motivada.

Não leu, não insisti e deixe para lá. A “leitura pode esperar”!

A fruta ainda não estava madura para ser colhida.

No ensino médio ele foi “obrigado” a ler Machado para um trabalho da escola.

Se a motivação não vinha da alma, vinha da necessidade de cumprir o “regulamento” da escola.

Leu. Fazer o que?

Um dia ele me chamou e disse: – Pai, hoje eu entendi por que Machado de Assis é “o cara”!

A fruta ficou madura e já podia ser saboreada!

PS.

Quando ouvimos a palavra “vício” sempre nos vem a mente um “hábito ruim”.

A ideia de “vício”, como um hábito ruim, vem da ética de Aristóteles numa contraposição a virtude.

Bons hábitos formariam virtudes, enquanto maus hábitos formariam vícios.

Um homem virtuoso, segundo a ética aristotélica, seria aquele propenso a agir de acordo com a virtude.

Mas, o próprio Aristóteles nos dá uma brecha, para “aceitarmos” um “vício” como um bom hábito, quando diz que a virtude é “um meio termo” entre dois vícios.

Comentários do leitor sempre serão bem vindos.

 

Este post tem 4 comentários

  1. JONAS . NUNES

    OLÁ PAULO BRITES
    PELO MEU ‘ESTILO’ VC PERCEBE QUE NÃO SOU ESCRITOR MAS GOSTEI DE COMO VC FALOU SUA IDADE.
    PARABENS
    JONAS

    1. Paulo Brites

      Olá Jonas o importante é participar.
      Tenho me esmerado em ser um “oureives” para “lapidar palavras”
      Abraços
      Volte sempre

  2. Miriam palomino salcedo

    Excelente ensino de vida e, sempre dizemos que não existe um bom livro que nos ensine a ser bons pais.

    Parabéns professor Paulo

    1. Paulo Brites

      Com certeza, a questão é saber ler, às vezes, as entrilinhas. O que não “está escrito”.
      Obrigado

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