Era uma vez uma garrafa de Coca-Cola.
Henrique Luz
Assim foi nomeada porque viera ao mundo de uma fábrica onde nasciam muitas outras garrafas como ela. A fábrica tinha dono, uma tal de Coca-Cola. A garrafa não sabia muito a respeito desse dono, mas dentro dela enfiaram um líquido preto com o mesmo nome.
De início, não entendeu muito bem o que era isto. O líquido fazia parte dela ou era um intruso dentro de seu corpo? Sua dúvida não durou muito tempo, pois docinho do jeito que era logo a garrafa o considerou como parte de si.
Então, subitamente, retiraram a garrafa daquele lugar, e a transportaram, junto de suas garrafas-irmãs, para as prateleiras de um supermercado.
Mas sua jornada não parou por aí.
De lá, foi comprada e carregada até um outro lugar, que lhe parecia que este sim seria seu lar. Em sua nova morada vivia uma família. A garrafa pensou que aquela seria a sua família. Porém, já no dia seguinte de sua chegada, durante o almoço de domingo, romperam o lacre de sua tampa de modo que agora fosse possível retirar de si seu líquido. Assim, tudo que havia dentro de si foi pouco a pouco despejado em outras embalagens. Só que estas lhe eram estranhas. Para começar, não eram, como ela, de plástico. Eram na verdade de vidro e que, apesar de transparente como o plástico, este era duro e inflexível. As embalagens nem ao menos tinham tampa! Como poderiam então proteger seu conteúdo tão precioso?
O que a garrafa não sabia era que aquelas estranhas embalagens não pretendiam guardar com carinho seu interior (que, agora, não parecia ser mais seu). Pelo contrário, ele começou a sumir das embalagens de vidro e foi parar dentro da própria família! Como os humanos não eram feitos nem de plástico, nem de vidro, a garrafa não conseguia mais saber se aquilo que uma vez fora dela continuaria a ser protegido e bem cuidado. Que absurdo! Como puderam lhe tirar seu bem mais precioso sem nem ao menos pedir permissão?
Indignada do jeito que estava, não poderia mais cogitar considerá-los como sua família. Porém, o que ela não esperava, é que além de consumi-la, sumiriam com sua tampa e logo após a rejeitariam, jogando-a no lixo!
A garrafa se encontrava sem tampa e perdida… estava desolada.
Lentamente seu interior foi novamente preenchido. Entretanto, desta vez não foi com seu antigo líquido preto e docinho. Não. Foi com inúmeros pedacinhos de plástico que, como ela, também foram descartados. No lixo, encontrou seu verdadeiro lar. E agora, dentro dela, estes inúmeros pedacinhos de plástico, cada um com sua história, também encontraram seu lar. E assim, cada fragmento de lixo era também um fragmento de história. E ela, mesmo sem tampa, aprendeu a guardar e proteger todas essas histórias, incluindo a sua própria.
Adorei o texto, bem leve e criativo.
Parabéns e muito obrigado por compartilhar. 👍🏼
César Bastos (Rio de Janeiro)