Faz tempo que não publico nenhuma “abobrinha”.
Talvez uma espécie de autocensura com medo que mandem me prender por … (deixa pra lá)
Mas, hoje, 19 de janeiro de 2022, estou a completar 23aC (antes dos Cem) e resolvi começar a publicar minhas “Memórias Prépóstumas” em fascículos (enquanto é tempo) e este é o primeiro.
Por que “Canivete Suíço”?
Bem, isto você irá descobrir ser ler e já aviso que, não apenas o primeiro fascículo que ora publico.
Digamos que seja um mistério para você descobrir.
Capítulo 1 – A Gênese
Envelhecer não deve ser entendido como um prolongamento da vida e sim como uma oportunidade que ela nos dá para nos reinventarmos.
No dia que meu filho mais novo, que tem, a metade da idade da minha filha do primeiro casamento (apenas no civil), completou 21 anos, saímos para almoçar, ele, eu e a mãe (dele).
Na mesa do almoço, durante a conversa, ele perguntou qual a lembrança mais antiga da minha vida.
Pergunta difícil, por uma simples questão de regra de três, se compararmos a minha idade com a dele, mesmo para que tem memória de elefante, como eu, cujos dentes de marfim (dos elefantes) ainda não foram removidos pelos caçadores ilegais.
Comecei a falar de quando fui para escola com seis anos de idade, mas ele retrucou (como sempre), “quero coisa mais antiga”.
A minha, disse ele, remonta “aos meus três anos quando fui para o hospital com crise de apendicite”.
Acho que se tivesse acontecido comigo eu também teria esquecido da regra de três!
O papo continuou nesta linha das memórias e eu comecei a contar algumas peripécias minhas como brincadeiras que eu praticava com sete ou oito anos e outras coisas já pelos 12.
De repente ele me perguntou “já pensou em escrever sobre isso, uma espécie de autobiografia?”.
Respondi que sim, há muito vinha pensando nisto, mas sempre ia adiando por “falta de tempo”.
A pergunta dele soou para mim como uma velada (seria velada mesmo?) cobrança que talvez nem tenha sido a intencional (hummm!), mas me estimulou a começar a colocar no papel, ou melhor, na tela do computador, minhas vagas lembranças ou, se preferirem (eu prefiro), as memórias prépóstumas de um canivete suíço.
Ao longo da narrativa o leitor tirará, assim espero, o porquê de “canivete suíço”.
Em princípio eu queria escrever tudo e depois publicar de uma vez só.
Mas o que seria “tudo”?
A vida é dinâmica e, pelo menos a minha, passa por “ajustes” de tempos em tempos e assim correria o risco de nunca publicar.
Rendi-me, finalmente, ao dito popular – feito é melhor que bem-feito!
Vou publicando por aqui nas Abobrinhas Filosóficas à medida que vá me lembrando e até … sempre!
Então, vamos ver onde isto vai dar.
A gênese
Sou filho único, ou melhor, passei a ser filho em 1945 já que tive um irmão que morreu em 1943, portanto antes de eu nascer.
Assim, na verdade eu sou o “substituto” e provavelmente nem tivesse vindo ao mundo se meu irmão não tivesse morrido.
Sorte minha, mas entendam que não estou querendo dizer “azar o dele” (ou será que estou?).
Ao escrever e refletir sobre isto começo a perceber, pela primeira vez, minha imensa responsabilidade neste mundo. Nunca tinha pensado nisto antes.
Substituir o insubstituível é muito complicado e a responsabilidade é enorme.
Cansei (no bom sentido) de ouvir minha mãe dizer que ele, meu irmão, morrera com “um mês e vinte e três dias” por uma barbeirada de um médico que o socorrera numa emergência.
Já vou avisando que esta memórias ou vagas lembranças serão entremeadas de “parênteses” e, aqui temos o primeiro.
Naquela época não tínhamos UPA’s, planos de saúde e coisas do gênero.
Morávamos em frente à Casa de Saúde Santa Maria, em Laranjeiras, há alguns anos rebatizada, por “coincidência ou não”, como Casa de Saúde Laranjeiras, depois que Cassia Eller morreu lá em 29 de dezembro de 2001.
Era só atravessar a rua e pedir socorro, sem preencher fichas e outras burocracias a serem cumpridas, como verificar se o plano de saúde aceita o paciente que fica sem paciência e resolve morrer logo para não dar trabalho aos “gestores”.
Fecha parênteses.
Segundo minha mãe, o médico aplicara uma injeção no bebê e em seguida ele faleceu. Nunca se saberá a verdade, mas o fato curioso é que ela me batizou com o mesmo nome.
E assim, percebo agora, como minha “responsabilidade” aumentou.
Quando digo isto, as pessoas ficam um pouco aterrorizadas e na verdade eu não entendo por quê.
Assim, se ao ler estas linhas, que o editor de texto do computador não deixa que sejam tortas, e, por acaso, um dia você estiver “passeando despreocupadamente” pelo Cemitério São João Batista, pensando na morte da bezerra e não na sua, e encontrar uma lápide com o nome Paulo Roberto Brites da Luz, não se assuste e nem saia correndo. Aquele lá, não deve ser eu (ainda)!
Nasci em 19 de janeiro de 1945 (somando os dígitos dá 19, também) na Maternidade Escola em Laranjeiras no Rio de Janeiro.
Abre parênteses.
Minha mãe era de 11 de janeiro de 1919. Muito janeiro e dezenove juntos!
Fecha parênteses.
Véspera do dia de São Sebastião, padroeiro da cidade e ainda bem que minha mãe teve a iluminada ideia de repetir o nome do falecido, pois acho que não iria gostar muito que me chamassem de “Tiãozinho”.
Aliás, eu tinha um tio, por parte de pai, que se chamava Sebastião, Seu Tião, Tião ou “barrica”, para os íntimos, por conta de sua acentuada protuberância abdominal.
O fato de o dia 20 de janeiro ser feriado aqui no Rio fez com que meus aniversários de criança fossem, quase sempre, comemorados no dia 20 e não no dia 19, por razões óbvias.
Isso faz com que muita gente, ainda hoje, sempre confunda a data do meu aniversário.
Meu avô, por parte de pai, Seu Zé da Luz, era proprietário de uma loja na Rua das Laranjeiras e meus pais moravam nos fundos desta loja e, mais tarde, eu iria morar lá também até completar vinte e pouco anos.
O elefante está ficando velho e a memória já lhe falha, às vezes, e não consegue lembrar exatamente quantos “vinte e poucos anos”, mas deixemos os detalhes para a canção de Roberto Carlos.
A Casa Luz era uma loja tradicional no bairro, bem em frente a tal Casa de Saúde Santa Maria.
Minha primeira residência e de meus pais nos fundos da loja do meu avô era um quarto bem grande que minha mãe, com sua criatividade, dividiu com uma imensa cortina para “transformar” em quarto e sala.
A cozinha era bem grande e o banheiro minúsculo e eu sempre o odiei. Não tinha chuveiro elétrico e no frio tínhamos que tomar banho de caneca pegando a água quente em um balde se não quiséssemos correr o risco de pegar uma “gripezinha’ (ainda não existia a COVID-19).
Tinha uma área bem grande no meio, entre o quarto/sala, a cozinha e o banheiro, onde havia até um galinheiro, acreditem.
Assim, tive a oportunidade de, mesmo morando na cidade, conviver, pelo menos em parte, com animais da roça como galos e galinhas.
Abre parênteses.
Tinha um galo chamado “mais velho”, lembrei dele agora (o elefante não está tão desmemoriado assim, talvez só esqueça o que lhe seja conveniente).
Tinha também uma cachorrinha basset chamada Violeta que eu ganhara de um vizinho e que eu batizara com este nome porque era fã de uma cantora chamada Violeta Cavalcanti (sei lá por que).
Gatos, tinham também. Apareciam pedindo abrigo e iam ficando.
Todos conviviam harmoniosamente bem, talvez porque são irracionais.
Fecha parênteses.
Havia uma porta que era fechada à noite e que separava o ambiente da loja da residência.
Entretanto, o acesso a “parte doméstica” era feito pela loja.
Meu pai trabalhava na loja com meu avô e mais dois tios, mas havia um atrito entre meu pai e um deles que eu nunca soube bem a razão.
Por extensão este tio não me olhava com bons olhos e acho que eu não falava com ele.
O outro tio, Sebastião, era o meu “protetor” quando eu fazia alguma “arte”.
Mas, deixemos um pouco a “arquitetura” de lado e caminhemos para a vida.
A loja do meu avô, entre outras coisas, era uma vidraçaria e por razões óbvias eu não podia perambular por lá, pois sempre havia o risco de caquinhos de vidro pelo chão.
Quando comecei a expandir meu território geográfico e querer explorar a “danger zone”, creio que lá pelos cinco anos, era obrigado a usar uma sandália de couro.
Ainda não existiam sandálias de plástico e muito menos as “havaianas”, ou melhor, ainda não tinha sido inventado o maldito plástico poluidor de rios e mares. Pelo menos no Brasil!
O similar do que hoje chamamos de “havaianas” e são fabricadas de um material emborrachado, eram tamancos de madeira bem ao estilo português. Isso mesmo!
Usei muitos.
De vez em quando, lá pelos cinco ou seis anos, me desvencilhava das “proteções” para os pés e corria pela “área perigosa”.
Ainda hoje lembro do Tião (acho que eu interpretava como um tio grande) me dizendo “não anda de pé no chão garoto”.
Ao que eu respondia, “mas se eu não andar com o pé no chão vou ter que voar”. Eu já era um debochado com aquela idade, vejam só!
Acho que o “Tião” não entendia a piada, mas também não brigava comigo e lá ia eu calçar as sandálias ou os tamancos.
Creio que aquele ambiente foi muito bom para o desenvolvimento das minhas habilidades manuais, porque eu tinha contato com coisas que nenhuma ou poucas crianças talvez tenham tido na sua “melhor idade”, a infância.
Falando nela…
Meu avô por parte de pai morava bem perto da loja com minha avó, duas tias, Maria e Alzira (a megera) e três tios, Antônio, Sebastião e Geraldo (o candidato a vereador). Todos solteirões.
O que não “cruzava” com meu pai nem comigo, João, era casado e não morava lá. Morava em Ramos onde meu bisavô, por parte de minha avó paterna, Venina Victoria Drummnond da Luz, e seus antepassados tinham sido dono de grandes extensões de terras.
Mais dois parênteses.
Maria, era a “gata borralheira”, cuidava da imensa casa praticamente sozinha, pois minha vó tinha pouca saúde e a megera não era muito chegada as “prendas do lar”. O negócio dela era jogar no bicho, com o dinheirinho que ganhava dando umas “aulas particulares” para a garotada do bairro.
O tal tio Geraldo que também não cruzava muito com meu pai e, por extensão, comigo.
Era funcionário público, barnabé, como se dizia na época e em 1954 candidatou-se a vereador pelo PDC (Partido Democrata Cristão) e teve, ao que me lembro, 154 votos. Talvez a plataforma dele, de plantar laranjeiras na Rua das Laranjeiras, não tenha convencido os eleitores.
Fecha parênteses.
De vez em quando eu ia para a casa do meu avô brincar com alguns primos mais velhos, filhos do tio que não “cruzava” com meu pai nem comigo.
A casa tinha um quintal enorme nos fundos, até com bananeiras.
Uma de nossas brincadeiras era cavar um buraco na terra para chegar ao Japão que, ouvíamos dizer, que ficava “do outro lado”.
Nunca chegamos ao Japão. O máximo que estas escavações nos forneceram foi uma boa coleção de minhocas.
Acho (vaga lembrança) que foi nestes nossos ensaios arqueológicos, que conseguimos um esqueleto de crânio de cachorro (apenas a parte superior) que guardo comigo até hoje.
Já falei um pouco da família por parte de pai, agora vamos aos familiares maternos.
Meu avô materno, de quem herdei o sobrenome Brites, também era português, mas não o conheci. Faleceu, eu tinha um ano de idade. A avó materna, muito menos. Minha mãe, brasileira, a perdera lá pelos oito anos de idade e foi praticamente criada por uma irmã mais velha, portuguesa. Tia Conceição.
Por parte de mãe, eu tinha outros tios e tias mas, com pouco contato com eles.
As visitas à Tia Conceição eram mais ou menos constantes e sempre aos domingos.
Ela morava na Praça do Carmo na Penha.
A casa ficava no morro, na Rua Frei Gaspar, mas, não era igual a estes morros de hoje que os nossos (des)governantes foram abandonando a própria sorte (ou azar) até se transformarem nas favelas atuais.
Eram casa simples de alvenaria, com água encanada, esgoto (fossa) e luz elétrica. Tudo legalizado. Nada de “gatos” que não miavam!
Era um terreno enorme onde meus tios, por parte de mãe, Antônio e Conceição, ambos portugueses, foram construindo “meias águas” para alugar e assim, complementar a renda.
Eu tinha um primo e duas primas, por parte destes tios, todos um pouco mais velhos que eu: – Hercília, Cléa e Aires.
Meu tio, de poucas ou nenhuma letras e menos falas ainda, era ajudante de caminhão da cervejaria Bhrama.
Como já disse, lembro-me de que íamos visitá-los regularmente sempre aos domingos.
Para ser sincero, não me agradava muito aquele “passeio”, exceto porque antes de virmos embora meu tio sempre colocava um dinheirinho no bolso do meu paletó.
Naqueles tempos, quando as crianças saiam endomingadas iam de terninho. Com calça curta até os 10 ou 12 anos.
A partir desta idade ganhavam o status de “pré-adulto” e podiam usar calça comprida.
Minha tia, como quase todas as portuguesas, cozinhava muito bem, mas alguns pratos que ela fazia não me agravam muito como um tal de arroz ao molho pardo feito com sangue de galinha que era pega no quintal e executada por lá mesmo.
Nunca assisti a estas cenas. Quando chegávamos, o “crime” já havia sido consumado.
Outras vezes era coelho assado ou ensopado, sei lá.
Das “iguarias” dela, só uma me traz saudades. Umas batatinhas fritas bem miudinhas como bolas de gude. Eu as apelidei de “batatinhas da Penha” e assim as chamava quando queria pedir a minha mãe que as fizesse em nossa casa.
E assim encerro este primeiro capítulo que chamei de “gênese”, sem nenhuma referência bíblica. Em breve, teremos mais….
Boa tarde, Paulo. Gostei muito da Gênese. Bons tempos…
Valeu, Marcelo.
Até sexta-feira vou publicar o capítulo 2.
Abraços
Parabéns pelo seu aniversário, Sr. Paulo Brites. Muito bom que tenha retomado os textos aqui no “Abobrinhas Filosóficas”.
Obrigado Périson
Esse ano vou tentar retomar o ritmo.